O MITO DE COMPRAR UMA ARMA NA “BOCA”

A ideia de que é simples adquirir uma arma em um ponto de venda ilegal só é proferida por aqueles que nunca precisaram recorrer a essa alternativa. Neste texto, vou abordar aspectos frequentemente negligenciados por quem sustenta tal afirmação.

Então você decide que quer comprar uma arma, porém, não pode obtê-la por meios legais, seja por não ter idade suficiente ou estar numa situação que não pode esperar o longo tempo dos tramites burocráticos, você está ciente que está prestes a cometer um crime ao portar ou ter em sua posse uma arma ilegal. Tomado de desespero, raiva, medo ou qualquer outro sentimento que não te deixa raciocinar direito e te inclina a cometer atitudes estúpidas você sai a procura da dita fácil aquisição.

Primeiro que você não é bandido, você é um cidadão comum, um operário ou comerciante, talvez um prestador de serviço autônomo. Você não conhece a bandidagem de verdade, você sabe mais ou menos onde tem uns caras suspeitos que em sua interpretação visual dá a entender que pode ser que eles vendam drogas. Você se aproxima eles te olham desconfiados, você não se parece com um cliente habitual, e aí, como abordar o assunto?

Talvez na sua ignorância de como funciona o mundo do crime você não saiba que ali na boca de fumo a mercadoria transacionada não são armas, são drogas! O cara com quem você está falando ali é um reles operário, ele não é o dono da boca, ele nem armado está! Ele só tem uma pequena porção de droga consigo e a outra grande parte está escondida em algum outro local, para caso ele seja abordado ele tente se passar por usuário.

Inicia-se um pequeno diálogo, você revela sua intenção, mas você está no lugar errado falando com o cara errado, no mundo do crime tem certas divisões, ladrão é uma coisa, traficante já é diferente. Por mais que em muitas ocasiões haja uma zona cinzenta que interligue essas duas atividades, elas são separadas. O cara com quem você está dialogando não é tolo, ele não te conhece e não confia em você, afinal, existe a possibilidade de você ser um policial disfarçado. Então ele apenas desconversa e diz que não tem o que você precisa e te dá as costas. Pronto nesse ponto se você precisava de uma arma com urgência pra se defender de uma ameaça iminente você está em apuros.

Um novo dia surge e você vai a um segundo local, já com a primeira experiência na memória sabe melhor como desenvolver ou ao menos começar o assunto, e pra sua surpresa outra negativa. Criminosos não são como seu cunhado que fala pelos cotovelos e com cinco minutos de conversa já vira melhor amigo de qualquer um. Ali é um ambiente relativamente tenso, se algo foge do script, o criminoso age na defensiva pois o risco de ir pra cadeia é real. Então você empiricamente descobre que a falácia de que qualquer um, a qualquer hora vai numa boca de fumo e compra uma arma não se sustenta.

Mas você não desiste do seu intuito, se lembra de um conhecido lá do trabalho que tem um jeito meio malandro e decide pedir a ajuda dele pra sua ilegal aquisição. Não é uma boa ideia conversar sobre essas coisas ilegais com pessoas perto do seu círculo empregatício, se o boato corre isso poderia lhe prejudicar, mesmo relutante com a situação você prossegue. Seu conhecido diz que não tem, mas conhece um cara que conhece outro cara que talvez tenha, diz que vai perguntar e te volta depois com uma posição. Passados alguns dias, seu conhecido diz que arrumou um fulano lá numa quebrada que tem alguma coisa pra vender, te dá um endereço de um bar num bairro bem pobre e bem longe e um nome, quer dizer, um “vulgo”, o qual vai estar lá num sábado a noite.

Chegando ao local com uma certa dificuldade, ruas de terra e esgoto a céu aberto, você acha o bar! Muitos frequentadores do tipo que não passariam sem ser parados em alguma blitz policial, você vai até o balcão pergunta pelo apelido que te informaram o dono te mostra quem é o indivíduo, você se apresenta pro sujeito, um cara que com certeza não se parece em nada com você,  ele fala gírias que você finge entender e meio que só balança a cabeça,  ali ele é o lobo e você a ovelha, sua mão está suando e levemente trêmula. Ele te leva pra um cantinho no fundo do bar e começa a te perguntar pra que você quer uma arma.

Você não esperava por essa pergunta, você não pode falar para o cara que quer uma arma pra se defender de tipos como ele próprio, com certeza isso não seria producente, então você inventa uma desculpa qualquer de que tem uma pessoa te ameaçando. O “Mano” que está a sua frente tira da cintura um revólver calibre 38, velho, com vários pontos de ferrugem, numeração suprimida (o famoso raspado) mas provavelmente funcional e está carregado.

O valor é absurdamente caro, coisa de 50% a mais do que se você pudesse comprar a mesma arma nova legalmente. Nos seus pensamentos você chega à conclusão que o valor não é o que você estava disposto a pagar e começa a arrumar desculpas pra não fechar o negócio, diz que está mesmo é atrás de uma pistola. Então pra sua ingrata surpresa, ele diz que tem uma e vai buscar pra você ver, vai até a casa dele e volta alguns minutos depois, com uma pistola Taurus 9mm, essa sim sem numeração suprimida, muito provavelmente produto de furto ou roubo, você não vai questionar isso né. Essa arma em questão estava em melhor estado de conservação e pra sua não surpresa, ele pede o dobro do valor de uma daquele mesmo modelo nova na loja! Qualquer um ficaria decepcionado.

Você indaga ele o motivo do preço tão salgado, nas gírias dele responde que arma não é fácil de arrumar nas ruas, e de certa forma era a “ferramenta” de trabalho dele (o que você já desconfiava) mas não estava disposto a pagar um valor maior do que a moto que usou pra ir até lá. Você agradece e diz que dessa vez não vai fechar negócio, ele faz uma cara de poucos amigos, mas aceita sua recusa. Saindo daquele bar um medo enorme de levar um tiro pelas costas lhe consome, você fica extremamente vulnerável.

Moral da história, não é tão simples como dizem comprar uma arma ilegal por aí, tem que ter o famoso Q.I. (Quem Indica), sem isso fica extremamente difícil chegar às pessoas e locais certos. Então se você quer se preparar e pensa em adquirir uma arma pra sua defesa, busque outra forma e preferencialmente uma forma lícita.

Alguns podem argumentar que no final, sim, foi possível adquirir a arma “fria”, porém, a que custo? Não falo somente do preço elevado e sim da sua consciência, alimentar com dinheiro alguém que possivelmente vai usá-lo pra conseguir outra arma e depois vir usa-la contra você ou qualquer outro. Além do mais, como fica a aquisição das munições? As que vierem na arma são naturalmente de qualidade duvidosa. Do que adianta passar por tudo isso se quando for no possível momento mais critico de sua vida, se na hora que você apertar o gatilho o barulho que for ouvido seja um “click” e não um “bang”.

Sim, o processo de aquisição de forma legal é complicado, burocrático e demorado, mas talvez valha a pena, pela qualidade do que se adquire e pela segurança no processo, que pelo relato, percebe-se que não o forte do método ilegal. Você é livre para tomar suas escolhas, porém, pondere bastante antes para não se ver arrependido quando não há mais volta. 

Este pode ser, ou não, um relato pessoal.

5 Comentários

  • Ótimo texto, eu aproveitei essa janela e realmente ela está praticamente fechada, nunca havia pensado em quão difícil seria conseguir uma arma na boca de fumo, mas apesar de penoso e oneroso, o processo para conseguir legalmente existe e pode ser concluído, mesmo que seja demorado vale a pena pois no mundo das armas a linha entre cidadão e bandido é bem tênue, um simples erro de transporte ou armazenamento pode te colocar atrás das grades.

  • Excelente texto Welthon, absolutamente realista e eu posso confirmar que o que vc apresenta aqui é real, aliás extremamente real. Existem outras formas menos arriscadas de se conseguir uma arma ilegal, mas nenhuma forma de se livrar de uma encrenca séria e grave se vc for pego com ela, tendo usado ou só de posse. Além disso, e da questão das munições como vc colocou, como vai treinar com uma arma dessas? Sem treino não adianta muita coisa.

    Eu disse para alguns alunos lá em 2019 que estava se abrindo uma janela para quem quisesse obter sua arma (ou armas), e que essa janela se fecharia um dia, em 4 anos ou no máximo 8, dependendo de como soprassem os ventos da nossa politica. O arrocho veio mais rápido e pior do que muitos imaginavam.

    Na época, alguns disseram que era burocrático, caro, etc. e que iriam obter sua arma mais tarde, quando os preços baixassem. Mas muitos tb foram atrás e conseguiram, hoje asseguraram seu revólver, pistola, 12G, o que for. Agora é só cuidar e não vacilar que isso pode ser mantido, porém está muito mais difícil conseguir qualquer coisa agora.

    Parabéns por abordar de forma tão sensata e bem escrita um assunto mto importante que raramente é discutido entre a turma.

    Abs!

  • seria interessante, se não estivéssemos nesse bostil, com um bando de bostileiros ora selvagens ora bisonhos. Se queres realmente se salvaguardar, faça o que for necessário. na pior das hipóteses, use a tática do advogado João Neto, um no coco outra no relógio e essa ” peça ai” eu tomei do meliante. ponto.

  • luizfelipejor

    Ótimas reflexões, muito relevantes, mesmo com as facilitações do mundo online muita gente nem pensa nas consequências de ser pego com tal equipamento!

  • E mais um detalhe, se for pego com uma arma e a perícia comprovar que ela esteve envolvida em um crime, a situação fica bem pior que o porte/posse ilegal.

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