SHTF SCHOOL: NO FUNDO DO POÇO

Depois de talvez seis meses de violência horrível na cidade, de uma vida sem comida, água, eletricidade e nem mesmo um teto sobre a cabeça, “tropecei” em um pedaço de vida normal. Através de alguns contatos meus, consegui conhecer alguns caras de algum tipo de força internacional.

Devo mencionar aqui, no tempo da guerra havia todo tipo de estranhos na cidade, entrando e saindo, seja por rotas de contrabandistas ou com raros comboios internacionais. Alguns deles eram forças da ONU, outros eram mercenários, espiões ou simplesmente pessoas que querem ganhar dinheiro em tempos difíceis e estranhos.

De qualquer forma, uma noite eu conheci esses caras da Espanha. Três caras grandes com sorrisos ainda maiores em seus rostos. Na verdade, eles afirmaram que eram da Espanha, não nos importaríamos mesmo que fossem da lua, desde que nos servissem para alguma coisa. Eu estava com dois parentes, os espanhóis sabiam um pouco de inglês e nós também, além de acenarmos muito com as mãos como um acréscimo na comunicação.

Eles queriam saber onde podiam encontrar drogas e mulheres, assim como a maioria dos forasteiros queria, junto com o que chamavam de “souvenirs de guerra”, armas e outras coisas interessantes, ou acho que talvez, exóticas para eles, bandeiras com sangue, facas, armas personalizadas etc.

Eles tinham fuzis de assalto pequenos que carregavam debaixo das jaquetas, bem chiques para nós naquela época, mas o que me chamou a atenção foi um pequeno walkman portátil no cinto de um dos caras e fones de ouvido no pescoço.

Eu perguntei a ele “posso escutar por um segundo?” e ele disse que sim. Coloquei os fones de ouvido, liguei a máquina e quando a música começou, eu só tinha que sentar e ouvir. Foi tão poderoso para mim naquele momento que eu meio que me perdi, eu estava como que drogado.

Eu estava sentado ouvindo a música inteira, enquanto os espanhóis olhavam para mim, acho que para eles eu parecia um selvagem que nunca tinha visto um walkman antes. Lá estava eu, sujo e fedorento, eu podia sentir meus dedos dentro das botas pegajosas e molhadas, eu tinha uma ferida estranha no pescoço, um cigarro feito à mão que fedia horrores, mas eu sentei ali, sorrindo como um idiota.

A música me trouxe de volta muito do que perdi nos últimos seis meses, me trouxe paz de espírito por um momento, lembranças da vida normal, cafés e garotas, praia e diversão. De alguma forma, esqueci de tudo isso em apenas seis meses e me voltei apenas para o modo sobrevivência, o que não foi ruim, mas, ao mesmo tempo, perdi parte de mim.

Poucos dias antes de conhecer os espanhóis, um de meus amigos foi morto, ele se viu exposto durante um bombardeio repentino. Ele entrou em pânico e ficou congelado atrás de algum poste telegráfico em vez de pular atrás da parede de uma casa em ruínas a poucos metros daquele local.

Um estilhaço arrancou metade de sua cabeça quase com precisão cirúrgica. Foi uma visão assustadora. Naquela manhã, antes de conhecermos os espanhóis, estávamos (já) tirando sarro de sua morte, eu disse algo como “você acredita que aquele idiota tentou se esconder atrás de um poste, como se isso fosse um desenho animado” e nós rimos como idiotas e bebemos.

Depois que terminamos de lidar com os espanhóis, fomos para casa e senti que ia chorar. Que morte estúpida foi a do meu amigo, eu queria ouvir música e não pensar nisso, porque acho que a música me lembrava dos tempos normais e fazia com que eu me esquecesse do fato que eu tenho que lamentar a morte dele, e não tirar sarro disso.

Ao mesmo tempo eu estava com raiva de mim mesmo, como uma música pôde me transformar em um fracote? Mais tarde, tive a mesma sensação quando encontrei um monte de livros e os trouxe para casa para queimar, peguei um e comecei a ler.

O ponto é que não importa o quão ruim seja a situação, você só precisa ter alguma conexão com o “normal”, caso contrário, você simplesmente se transformará em um animal. Pode ser um livro, pode ser música, ou simplesmente bater um papo com os amigos.

Não esqueça que você é humano e precisa ter e expressar emoções, ou simplesmente você deixa de estar vivo, já que não sente nada. Hoje ouvi aquela música no rádio do carro, e ela me traz de volta àqueles tempos e sentimentos, sentei e escrevi este post sem pensar muito.

Era a música “Under the bridge” do Red Hot Chilli Peppers.

Texto traduzido e adaptado do site: SHTF School.

2 Comentários

  • Mayckel Antunes (Mayck)

    Mais um texto que nos faz refletir e agradecer pela vida que temos e todas as suas comodidades, obrigado pelo ótimo texto e tradução Welthon!
    Abraço e esteja preparado!

  • Curto muito esses textos traduzidos do Selco… Faz a gente se colocar no lugar dele mesmo que de forma hipotética, e pensar o q talvez faríamos em seu lugar, ou mesmo admirar como ele lidou com a situação.
    Pensei que ele não ia informar qual música era rsrs.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s