SHTF School: A minha primeira troca depois do colapso da sociedade

Os itens para troca durante a guerra mudavam de valor constantemente, alguns ficavam indisponíveis por um período apenas para voltarem com um valor muito mais alto.

Sim, a situação na cidade ditava isso, mas as pessoas, os senhores do mercado negro, faziam isso acontecer. A situação inteira estava sempre mudando e você tinha que se esforçar para achar o que procurava.

Alguns dos itens que estavam circulando na cidade eram completamente novos para todos. Uma razão disso era que muitas coisas diferentes estavam entrando na cidade por diferentes meios devido a ajuda humanitária que recebíamos de várias partes do mundo. Algumas destas coisas ficaram populares rapidamente, outras permaneceram completamente estranhas para nós porém ainda tinham algum valor.

Claro que itens práticos como as rações MRE eram sempre úteis para se ter. Algumas outras coisas como bolachas de água e sal Turcas (chamadas de “Turks”) eram estranhas para nós. O gosto era estranho e por isso elas tinham menor valor, mas estávamos famintos e todo mundo comia e trocava o produto ainda assim.

Em um período havia grandes quantidades de cigarros franceses na cidade, nós chamávamos de “Tabaco Preto”. Era um tabaco muito forte e empacotado em pequenas e bonitas caixas. Você simplesmente não precisava de muitos diariamente mesmo que fosse um fumante apaixonado. Eram muito fortes.

Algum cara “esperto” traficou isso para a cidade e é o exemplo de produto bem sucedido além de armas e munições para serem usados em trocas.

Existiam muitos itens novos para nós, um estilo diferente de arroz (era muito mole), carne enlatada sem nenhum rótulo ou data de validade (Nós chamávamos ela de “Cavalo doente”). Comíamos e usávamos a graxa para lamparinas. Algumas vezes também haviam caixas grandes de metal com biscoitos secos dentro – algumas destas tinham datas de validade de vinte anos atrás, por isso os chamávamos de “Biscoitos do Vietnam”. Nós também comíamos e trocávamos eles também.

Claro que eram sempre dias bons quando tínhamos algum tipo de comida. Em muitos outros períodos (a maioria do tempo) nós comíamos coisas muito, muito piores. Geralmente era uma sopa com alguma coisa que pudéssemos encontrar e desse alguma energia.

Um dos itens no começo de tudo e que era muito interessante era o ovo em pó.

Conforme eu me lembro nós nunca tínhamos visto isso antes, digo, nós sabíamos de histórias de caras que sobreviveram a segunda Guerra Mundial e usavam muito esse item até mesmo depois da guerra (eles chamavam de ovos Trumans) pois era o que vinha para a área como parte da ajuda humanitária visto que tudo estava destruído e as pessoas estavam famintas.

Aqueles ovos eram interessantes para mim pois eu sempre amei ovos e claro, era impossível ter ovos de verdade. É por isso que a comida na sobrevivência urbana é uma versão muito ruim da comida em sobrevivência em selva. Ratos, pombos e inclusive algumas pessoas comeram todos cachorros e gatos. Isso aconteceu nos últimos meses onde tínhamos perdido toda a estrutura básica como energia e água para beber.

Enfim, um dia ouvimos que ovos em pó podiam ser comprados por uns caras que tinham pegado um monte de coisas de um comboio de assistência humanitária.

A violência e os tiroteios já estavam acontecendo em todo lugar na cidade, mas era um período onde ainda confiávamos que tudo isso ia ser temporário. Então, três de nós fomos visitar estes caras. Um de nós tinha uma pistola, mas ela não foi de muita ajuda pois ninguém havia percebido o quão perigoso tudo tinha se tornado.

Era um tempo onde a força policial ainda existia, mas por outro lado as milícias já estavam começando a operar e não havia como saber quem era quem e o que aconteceria se você trombasse com eles.

Nós tínhamos dinheiro Alemão para comprar os ovos, naquele tempo ainda conseguíamos comprar algo com dinheiro (estrangeiro), mas você não podia esperar um preço fixo pois o preço sempre variava dependendo do que acontecesse durante a negociação.

Os caras estavam em um apartamento no segundo andar, sendo que o prédio já estava provavelmente quase vazio. O cara que abriu a porta nos levou até a sala de estar do apartamento depois que dissemos que queríamos comprar alguns itens dele.

Haviam mais quatro caras sentados em uma mesa perto de nós, na verdade um estava até dormindo com a cabeça apoiada na mesa. O outro estava tentando fazer uma espécie de sanduíche de carne seca usando uma baioneta grande e velha. O quarto fedia como se alguém tivesse morrido ali.

Todos eles pareciam bem durões e prontos para tudo, nós três com uma pistola éramos presa fácil para eles. O cara que nos recebeu perguntou quem havia nos mandado, nós dissemos o nome e ele disse: “Quem é esse? Eu não conheço ele”.

O silêncio foi constrangedor, eu podia sentir uma sensação ruim correndo pelas minhas costas no momento, especialmente depois que percebi os rifles parados do lado das cadeiras onde os caras estavam sentados e que no carpete embaixo da mesa havia uma mancha enorme que parecia muito com sangue.

O cara começou a rir e dizer “Ok, estou brincando, eu conheço ele, só me diga o que você precisa”.

O medo que aparecia na minhas costas começou a desaparecer vagarosamente, mas ainda éramos como patos parados ali no meio de tudo. Nós dissemos o que queríamos e ele perguntou o quanto de dinheiro daríamos pelos ovos em pó.

Meu primo estupidamente pegou o dinheiro do bolso e disse quanto nós tínhamos. O cara disse ” Me dá isso aqui!”. Ele congelou, mas quando os caras da mesa começaram a olhar para nós meu primo deu o dinheiro. De um dos quartos ali perto ouvimos alguém gritar “Ah seu filho da p#!a!” e então um som de que alguém levando uma surra começou.

O cara começou a contar o dinheiro lentamente e,  olhando para gente com um sorriso, depois de contar o dinheiro colocou ele no bolso e disse: “Ok, vocês podem ter uma caixa por esse valor”.

Nós três sabíamos que tínhamos sido roubados, mas apenas dissemos “Ok, fechado, precisamos ir agora”. Pegamos a caixa e saímos do apartamento. No lado de fora do corredor nós percebemos que havia mais um cara de guarda na frente do apartamento, quando estávamos entrando nem mesmo percebemos ele ali.

Chegamos em casa em segurança e o sentimento de que tínhamos sido enganados foi embora rapidamente pois percebemos que aqueles caras podiam ter nos matado muito facilmente se quisessem.

Por sorte naquele momento talvez eles não estavam afim de fazer isso, ou talvez seja mais provável que a situação na cidade ainda não estava tão ruim a ponto de poderem matar abertamente.

Todo mundo pensava que a ausência de regras e leis era temporária. Isso mudou rapidamente, as pessoas começaram a matar umas as outras como parte de negociações falsas. Mais tarde as mortes aconteciam até por pura curiosidade do o que o outro tinha no bolso e não estava mostrando.

O que estava armado entre nós disse “Cara, eu completamente esqueci que tinha uma arma comigo devido a forma que aqueles caras eram”. E então percebemos que foi muita sorte ele não querer sacar a arma no meio de tudo pois teríamos sido mortos, com certeza.

Você vê um padrão aqui? Sim, em um pós-colapso muitas coisas podem sair errado e frequentemente saíam.

Eu lembro daquela troca muito bem pois estávamos assustados, mas mais importante era o sentimento de que a “bondade” e o “medo” foram embora. Naquele dia percebemos que estávamos vivendo em um novo mundo com novas regras e agir como em tempos normais ou mostrar fraqueza poderia ter consequências brutais.

Nós começamos a aprender e mudar. Começamos a parecer e agir como aqueles caras em nossas trocas e, sempre que encontrávamos alguém mais durão e melhor em trocas nós copiávamos o que ele fez conosco. Nós éramos sortudos ou talvez espertos o suficiente para aprender as novas regras rapidamente. Não havia espaço para erro. Ou você aprendia ou acabaria morto rapidamente.

Essa foi uma das minhas primeira trocas depois do colapso, eu troquei muitas outras vezes usava um padrão de intimidação semelhante ao que aqueles caras usaram comigo.

Essa experiência me ensinou pela primeira vez as poucas regras mais simples sobre trocas:

  • Nunca vá para lugares (fechados) onde você não sabe quem ou quantos encontrar, como estão armados ou detalhes do tipo;
  • Nunca leve todos seus recursos (ou dinheiro) para trocar contigo;
  • Tenha um plano em caso de surpresas;
  • Nunca aceite ofertas facilmente pois isso pode ser visto como fraqueza e fraqueza é uma chamada para problemas.

E mais uma regra que aprendemos e nunca vamos esquecer é que nunca podemos arriscar nossas vidas por itens de “puro luxo” como os ovos em pó eram naquele momento para nós.

 Texto traduzido e adaptado do blog SHTF School.

19 Comentários

  • Sugiro republicar os textos anteriores dele, para o pessoal que conheceu o blog a pouco tempo (meu caso), poder comentar.

    Deixo o link de um documentário sobre a guerra civil na Síria, onde mercenários estrangeiros, terroristas e traidores da pátria, assassinam civis inocentes indiscriminadamente. Em um caso desses, a sobrevivência se torna muito difícil, pois corre-se o risco de ser assassinado pelo simples fato de ser cristão.

    • Olá Eder,

      Se você selecionar nas categorias (coluna direita do Blog) a seção de “Textos Traduzidos” receberá a compilação de todos os textos do Selco.

      Abração.

  • Preferiria não trocar nada… mas se SHTF acontecer em pouco tempo, receio que será horrível pois ainda não estou de fato preparado.

    O melhor é ter tudo o que é preciso, porém eventualmente será necessário o escambo. Nesse caso é muito melhor possuir itens pequenos de valor imediato, pois todos estarão pensando apenas nas suas necessidades imediatas – esses itens terão mais valor de troca durante a crise de modo que durante SHTF serão supervalorizados… além disso itens como cigarros…álcool, esqueiros, açúcar, enlatados… chamam menos a atenção; já ouro, jóias coisas valiosas perderão valor, por não terem valor prático – receio que além de trocar um colar de R$500,00 por apenas algumas latas, possa-se morrer por ter de se defender de alguém que teve a atenção despertada por um item aparentemente valioso. Outro detalhe é nunca trocar itens como munição, pois estaria-se patrocinando a própria pilhagem e assassinato,

    • Tudo bem, entre os membros de uma comunidade ou cidade sitiada, os gêneros de primeira necessidade não tem preço, mas o motorista de um caminhão com ajuda humanitária pode muito bem burlar o racionamento e lhe dar 2 ou 3 sacos de farinha a mais por uma aliança de ouro, por exemplo.

  • O artigo mostra que não adianta somente armazenar recursos (alimentos, água, munição, combustível, etc). Na verdade, seja talvez inútil ter um monte de ítens que não pode carregar e mal esconder.
    O bom seria ter uma reserva em moeda estrangeira (dólar ou euro) ou melhor, algumas gramas em ouro (em frações de 1g ou alianças, brincos etc). Vejo ofertas no Mercado Livre como essa http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-632116507-barra-de-ouro-18k-a-partir-de-1gr-o-melhor-investimento-_JM, mas não confio muito se o outro é mesmo 18k ou se vão entregar.
    Essa estratégia é útil também para enfrentar uma crise econômica ou simplesmente ser uma poupança.

    • Welthon Cunha

      Tambem é interessante… mas devemos atentar que ouro, dólar ou euro, têm um valor simbólico, não real, prático, como comida, combustível, armas, etc..

      • yogueimortal

        Concordo em gênero número e grau!

      • É que raciocinei baseado na história. Uma comunidade sitiada vai precisar interagir com pessoas ou grupos que tenham acesso a recursos de fora, como foi o caso do “ovo em pó”. Essas pessoas podem muito bem ter conseguido através de roubo, mas na maioria das vezes vão pegar esses recursos subornando militares e funcionários do governo ou ainda, serão meros “atravessadores”. Serão os gananciosos e corruptos que dominaram os recursos mais preciosos em cenário de crise.

      • Até onde pude observar estudando os diversos cenários de crise o que realmente se torna moeda de troca são os itens “de vícios”. Álcool, drogas, cigarros, café e afins são sempre necessários pois muitos seriam capazes de trocar comida para sustentarem seus hábitos.

        Claro, no final tudo se resume a comida, contudo no período intermediário de crise estes itens valerão ouro.

    • Se essa cientista estiver certa, esqueçam qualquer preparativo : https://www.youtube.com/watch?v=yerIUOwCiHY

      • Muito bem. Excelente vídeo. Embora os comentários dele estejam cheios de retardados chorosos falando de religião e do povo do time do “que bom a humanidade vai acabar,” apesar disto é muito bom saber do fato.

        Complemento com este texto http://www.ambientelegal.com.br/proximos-de-um-evento-de-extincao-em-massa/

        Mas, agora, arregaçando as mangas; aquilo que de fato importa ninguém em lugar nenhum falou: que porra eu tenho que fazer para não morrer neste cenário?

        Muito bem, vamos lá, a questão é esta: como sobreviver a uma gigantesca liberação de metano que, uma vez iniciada não mais pode ser parada? O que devo fazer?

        Por favor não venham com história de não emitir poluentes, usar bicicleta, etc. Eu não quero saber disto, a desgraça já ocorreu e eu já estou no meio dela, e agora? Que fazer? Este é o quadro.

        Pela leitura que fiz do texto aparentemente todos os problemas citados seriam basicamente uma grande soma de tudo aquilo para o qual já nos preparamos. A exceção de um: falta de oxigênio.

        Se isto ocorrer o jogo acaba, eu não tenho como solucionar isto. Ou a menos não seria fácil. Talvez plantando algas em algum lugar, ou então vivendo no subterrâneo e produzindo oxigênio a partir da água.

        Mas isto envolve dinheiro.

        De qualquer forma, exceto pela eventual falta de oxigênio eu não vejo nem a liberação de metano como o pior cenário. O pior seria a guerra nuclear por conta da radiação.

        Embora uma mudança climática desta magnitude certamente levaria à guerra nuclear. E demais convulsões de praxe envolvendo seres humanos.

        Lembrando que, o ser humano está sempre apenas três refeições a frente do canibalismo.

  • Paulo Américo de Andrade

    Eu gostaria que fosse melhor citada a fonte, época do assunto e da edição do texto, senão são testemunhos apócrifos, portanto inúteis.

  • Welthon Cunha

    Adoro as histórias do Selco… são um relato de alguém que ‘realmente’ viveu uma situação SHTF…fico pensando se os ‘nossos sobrevivencialistas brasileiros’ que acham importantíssimo você saber 100 maneira de fazer fogo no mato ou como fazer 80 tipos diferentes de nós, estão lendo os relatos do Selco.
    Um grupo pequeno ( não mais que 30 pessoas), unido, armado e com um abrigo seguro ( longe de grandes cidades, isolado e capaz de produzir alimentos) é o ideal… isolamento é suicídio !!! Trocas são uma estratégia de sobrevivência, mas devem ser sempre feitas com cuidado, o que demanda ESTRATÉGIA !!!
    E novamente para os sobrevivencialistas brasileiros que criticam a filosofia armamentista dos ‘preppers americanos’… armas em sobrevivência, em minha opinião, têm duas regras básicas:
    QUAIS ? resposta: todas !!!
    QUANTAS ? resposta: a maior quantidade possível !!!
    ‘Quando as leis voltarem a ser um pedaço de papel, quando a ordem será um mera palavra, o cano de uma arma é que vai definir o certo e o errado, o justo e o injusto !”

    • Concordo. Gostaria de ir neste evento que acontecerá no Rio de Janeiro, porém é apenas para profissionais de segurança: http://www.laadexpo.com.br/2015/

      • Welthon Cunha

        Este tipo de coisa, de HIPOCRISIA SOCIAL é que me deixa indignado…. Segundo a nossa Constituição todos os cidadãos deste país têm direito a Segurança, mas na prática o que vemos..um evento de Segurança fechado unicamente para ‘profissionais’, ou seja, apenas para aqueles o Estado considera como responsáveis pela segurança nacional… Mas a constituição diz que é um DIREITO DE TODOS !!! Isto mostra que o governo, o Estado, é o único com direito a ter segurança, sabe contra quem ? contra nós, cidadãos, nós somos a ameaça !!!! Na Suíça todo cidadão é encarregado de fazer a segurança do país, e têm armas de uso militar em casa….

  • carlossilvapb

    Esses posts do Selco me deixam cada vez mais certo de algumas coisas:

    1) Meu refúgio é isolado, mas poderia ser ainda mais isolado.
    2) Eu procuro ter na minha preparação todos os itens dos quais eu e minha família iremos precisar, para não ter que procurar/trocar em caso de necessidade.
    3) É melhor se esconder, se isolar. Mas, se não for possível, melhor se armar ao máximo.
    4) Se não dá pra confiar em ninguém agora, numa SHTF então…
    5) Cidades são uma furada em caso de SHTF.
    6) Ajuda, empatia, caridade. Essas são palavras que não cabem durante uma SHTF.

    • Welthon Cunha

      Blz… evitar trocas é importante, mas se a SHTF se prolongar muito, infelizmente você terá que considerar esta possibilidade. No mais concordo 100%, cidades são uma furada, e caridade nestes tempos, apenas com os do seu grupo….

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