SHTF School: Sob pressão

Um mês atrás eu fiz uma promessa para mim mesmo de que escreveria mais no blog, mas, como qualquer outra decisão, algumas vezes a vida entra na frente e pede todo seu tempo e atenção. A “pressão da vida” te pega e você simplesmente vive seus dias sob comando dela.

A pressão dita todas suas ações pois você precisa viver e algumas vezes escrever em um blog começa a se tornar um luxo.

O objetivo desta curta introdução contar que aprendi há muito tempo atrás como atuar sob pressão. Trata-se de simplesmente desligar algumas funções e empurrar tudo até você ficar na posição segura de novo.

Esta é uma das lições mais importantes que tive ao sobreviver a guerra, pois se você não fizer isso durante um cenário de crise você falhará em operar adequadamente e será morto…

Enfim, hoje eu (finalmente) tenho tempo para escrever e quero compartilhar essa história com você:

O cara tinha cerca de 45 anos quando eu o conheci. A guerra havia começado dois meses antes disso e encontrei ele quando estávamos tentando fazer um gerador militar funcionar, tínhamos encontrado ele em um armazém de um complexo militar abandonado.

Nossa primeira tentativa foi inútil, não tínhamos nenhuma ideia de como aquilo ligava, que combustível usava ou até mesmo como arrastar ele até nossa casa. Ainda assim, mesmo que nós solucionássemos todos esses problemas, ligar ele em casa seria como um convite para pessoas más. Mas não sabíamos nada disso naquele momento.

Por isso chamamos esse cara. Ele era o típico “cara que sabe das coisas”, pois décadas atrás ele serviu no exército e o seu dever era operar as coisas, então ele estava lá para explicar o que nós realmente encontramos.

O gerador estava parcialmente coberto por ruínas do telhado que havia desabado e nós passamos um bom tempo limpando tudo aquilo. Ele nos ajudou e enquanto fazia isso murmurava o tempo todo, como se estivesse falando com alguém, eu nem prestei atenção nisso.

Ele começou a explicar para mim o que nós tínhamos ali, falando lentamente… E eu percebi que ele conhecia sobre essas coisas. Mas então, de repente, ele ficou quieto e virou sua cabeça como se estivesse ouvindo algo. Meus sentidos imediatamente se ampliaram, eu agachei e sussurrei para ele “o que? O QUE?” porque eu pensei que ele havia ouvido alguém chegando… Isso significaria problemas.

Ele levantou a mão dele indicando para que eu ficasse quieto. Ele manteve sua cabeça naquela posição por alguns segundos e disse para mim “está tudo bem cara”, então continuou a explicação sobre o gerador.

Depois de alguns minutos novamente ele fica em silêncio e vira sua cabeça como se estivesse ouvindo algo suspeito. Eu começo a transpirar, algo estava movendo minhas entranhas e eu tinha aquela sensação como se alguém fosse pular ali de repente, eu quase queria que o tiroteio começasse para ter uma pausa nesse medo.

Então ele continua e me pergunta “você não está ouvindo nada?” e eu disse “não cara”.

Na verdade eu ouvia muitas coisas, água caindo dentro do prédio, ruínas lentamente rangendo, algumas peças de metal balançando pelo vento, disparos em distância e explosões bem ao longe. Mas eu não ouvi nada suspeito ou simplesmente não tinha me tocado.

Ele disse “desculpa cara, eu muitas vezes ouço coisas, agora mesmo estou ouvindo alguém chamando meu nome”. Neste momento eu congelei e senti um arrepio subindo pelas minhas costas.

Aqui estamos nós no meio de um complexo militar enorme, quase em completa escuridão e com todo tipo de barulhos que prédios destruídos fazem, provavelmente com outras pessoas buscando por itens (todos com algum tipo de arma), um cheiro de morte no ar, sem leis ou polícia e eu estou sentado no meio de tudo isso com um psicopata…?

Ele estava fumando um grande e gordo cigarro caseiro e quando ele “puxava a fumaça” eu podia ver sua face completamente pacífica, mas tudo o que eu conseguia pensar é “será que ele tem uma faca?”. Eu lembro de ter visto a faca quando ainda havia um pouquinho de luz no dia, estava no seu cinto, uma faca grande de cozinha.

Meu amigo estava por algum lugar buscando por itens e eu estava sozinho com esse cara. Ele continuou dizendo “algumas vezes eu ouço música, mas a maioria do tempo ouço pessoas me chamando, então de tempos em tempos preciso perguntar para alguém para saber se é real e não estou ficando louco. Eu gosto quando ouço músicas, geralmente são as minhas favoritas”.

Eu disse de maneira sábia “sim, tá tranquilo, isso acontece”, mas na minha cabeça estava torcendo para o meu amigo retornar e pensando “que se ferre esse gerador, esse lugar… Esse cara é louco!”.

Enfim, meu amigo voltou e nós saímos dali. O gerador era somente um grande pedaço de lixo. Eu estava bravo com ele por ter me conectado com esse cara louco. Eu gritei para ele “Eu quase me borrei no escuro com o cara que ouvia vozes na cabeça”, então ele disse:

“Fique tranquilo, ele é de boa, não se preocupe. Ele é um engenheiro elétrico e quando a guerra começou uma milícia o prendeu por semanas, batiam nele só por diversão. Todos os dias arrastavam ele para fora da prisão com venda nos olhos e fingiam que iam fuzilar ele gritando sons de comando para os soldados. Depois de uma semana soltaram ele… Ele é um gênio, mas com muitas pessoas falando dentro de sua cabeça”.

Depois de ouvir tudo isso eu só disse “merda”.

Meses depois eu estava no andar de cima da minha casa, bebendo e fumando, tendo um momento pessoal de paz. Os barulhos de explosões e tiroteios ainda estavam lá, mas todos soavam ao longe. Era um bom momento para mim.

Então eu ouvi música… E era uma de minhas favoritas. Meu primeiro pensamento foi “legal, essa eu gosto!”. Cinco segundos depois eu pulei como se alguém tivesse me esfaqueado pensando “Meu deus, estou perdendo minha sanidade, ah não, por favor…”. Eu corro para dentro de casa, assusto minha família e puxo o primeiro parente que vejo para fora e pergunto “você consegue ouvir isso? A música, você ouve a música?” e ele diz “sim, é o DRAGO, provavelmente eles estão bêbados”.

Eu estava olhando para ele, não entendendo o que ele queria dizer, então lentamente eu percebo tudo.

Drago era o apelido para Army Armored Personnel Carrier –  um veículo blindado de propaganda. Geralmente eles explodem os alto falantes com propaganda militar o tempo todo (declarações públicas, pedidos de rendição e semelhantes), mas nunca música. Parece que alguém do veículo ficou entediado e colocou uma música boa.. Ou simplesmente estava chapado.

Eu perguntei de novo “você está ouvindo?” e ele disse “sim cara, eu ouço, você está bem, só está bêbado!”. Eu lembro de repetir várias vezes para mim mesmo “obrigado, obrigado, eu não estou ficando louco”.

Mais tarde nos próximos meses eu conheci outros caras que “perderam a noção”. Algumas vezes eu ouço algumas coisas, vejo pessoas que não está ali… Geralmente quando tudo está de mal a pior.

A pressão no corpo humano, particularmente na mente humana e em uma situação real de crise é enorme e você pode esperar coisas estranhas algumas vezes. O seu cérebro vai pregar peças em você e nessas você pode perder a sanidade.

Prepare-se para não ficar louco.

Nos meus cursos presenciais eu sempre digo que as habilidades de sobrevivência são testadas principalmente quando você está com medo ou quando acha que viu ou ouviu alguma coisa que não está ali de verdade.

Isso geralmente significa que quando você está tão sobrecarregado com os eventos e a pressão está no nível mais alto, é uma arte performar nesse nível de estresse. Só depende de você e do quão preparada sua mente está para não “perder a noção”.

Texto traduzido e adaptado do site SHTF School.

 

4 Comentários

  • mozart oliveira

    Olá , os artigos desse rapaz ( guerra da Bósnia e servía” iugoslávia “- anos 90 ou 1995 ) são chocantes , percebo que muitas pessoas aqui que se denominam “PREPERS” são mesmo é “NUTELA” ( SE VC FICOU COM RAIVINHA É NUTELA NO 12 ! ) rsrs , alguns posts e comentários nos induzem a encher a casa , o carro com mochilas estilizadas de tralhas inúteis que em um cenário Brasileiro são impensáveis , pois , não temos revoluções aqui como guerras civis ou um governo ditatorial reprimindo as nossas liberdades mais básicas como o ir e vir( muitos dirão mas Mozart e SE…. ) , creio que sobrevivencialismo de verdade nós podemos citar como exemplos ( lúdico mais visto em filmes e séries como walking dead ) o exemplo é meio ” ridículo ” mas seria conseguir conseguir remédios , comida , água e algum meio de defesa pessoal frente à um grupo ou pessoa má intencionada, e carregar os mais fracos … , se deslocar onde você mora , eu mesmo moro em uma capital como cerca de 2 milhoes de habitantes , sem chance de eu ir pro MATO , não é porque sei armar uma barraca, tenho coro grosso pra mosquito e levo “comidinha para cozinhar no meu fogãzinho a gás ” ou por que já servi na Marinha ou afins que conseguirei sobreviver no MATO , uma coisa é voce equipado do quartel , outra é voce com a sua família , irmão , esposa , filhos . pais , avós e etc , no meu caso teria mais chance de sobreviver aqui na Minha Goiânia ( talvez entrando em “lojas” ou depósitos que foram abandonadas se for o caso de colapso total para buscar suprimentos , mesmo que preparemos a nossa casa como s fosse um Bunker nazista o que nos garante que conseguiremos permanecer ali “protegidos” ? acho que essas coisas de preparação é só na hora que acontece a “situação ” , lógico que se tivermos o mínimo como uma boa faca , canivete suiço que só não faz chover ( derruba até arvore), uma arma e munições , clorin , e um pouco de comida para a primeira semana não é ruim , mas a chave deve ser as questões : Quanto , Como , Quando ? , posso estar falando bobagem por que nunca passei por uma situação “de verdade ” de sobrevivencia a não ser apanhar de um idiota de patente superior a minha em um treinamento idiota e sem proveito algum…
    Desculpem o textão.
    abs

  • Quando morava em São Paulo, ficava em constante alerta, ano de copa,ebola, estado islâmico,etc , tinha todo um esquema para qualquer evento , foi quando me dei por conta que deixei para traz o que deveria ser a principal preparação – sair de São Paulo centro e partir para o interior , no minimo 300 km, hoje faz 1 ano que estou no interior de São Paulo
    levei 5 anos me preparando, vendendo bens , preparando meio de sustento, em São Paulo ficou metade da neura
    mas continuo alerta , já tenho 56 era sobrevivencialista desde quando o nome disso era ser pescador.,

  • Emerson Pereira da Silva

    Ótimo artigo, O Julio poderia falar um pouco sobre esses temas recorrentes do cotidiano dos moradores das grandes cidades, que são expostos de várias maneiras a várias formas de violência. Eu sou motociclista e sofri dois assaltos isso mudou um pouco meu comportamento, claro tem a parte boa que é na parte de segurança, onde evitamos lugares, rotas e horários, mas também tem o lado ruim aquele frio na barriga quando alguém suspeito está próximo num farol ou até mesmo faz algum movimento suspeito na calçada. Vou ser sincero “o gelo” que a gente sente é desconcertante.

  • carlossilvapb

    Este artigo me fez pensar no seguinte: O quão distante a realidade do Selco na guerra está do nosso dia a dia. Talvez não tanto quanto a gente pensa… Especialmente para quem mora em determinados locais de cidades como o Rio de Janeiro. Morei lá durante muitos anos e voltei para a minha cidade natal, entre outras coisas, em busca de tranquilidade… Mas…
    Eu ainda não estou ficando doido (eu acho). Mas eu tenho sido exposto a constante estresse desde que foi alvejado por um tiro numa tentativa de assalto, 3 anos atrás. Desde então, ando o tempo todo ligado. Qualquer barulho diferente durante à noite me acorda. Qualquer motocicleta com duas pessoas me deixa totalmente na defensiva. Será que um dia, esse estresse cumulativo vai explodir de alguma maneira?? Quantas pessoas estão sentindo essa pressão, ainda mais diante de um cenário tenebroso que se avizinha, em relação à economia?

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