SOBREVIVENCIALISMO RURAL: O OUTRO LADO DA CARNAÚBA

No artigo anterior, acompanhamos de perto o ciclo da colheita da palha de carnaúba — do tirador ao comboieiro —, entendendo como cada função, cada movimento e cada ferramenta são essenciais para garantir um aproveitamento completo da árvore da vida. Agora, avançamos para a segunda fase desse ciclo: a secagem, a moagem e o beneficiamento da palha e do pó, etapas que transformam a colheita em produtos valiosos, como o pó branco, o pó preto e a bagana de carnaúba.

O pó preto: um tesouro menos conhecido

Muito se fala sobre o pó branco da carnaúba, famoso por dar origem à cera exportada e apreciada no mundo todo. Mas nem todo pó é branco. Nas palhas que permanecem estendidas no carnaubal, expostas ao sol e à poeira, nasce o pó preto — produto menos conhecido, mas igualmente valioso em certos usos. Após dias de secagem, essas palhas adquirem um tom acinzentado e estão prontas para serem reunidas. É o momento da junção, quando trabalhadores percorrem o campo, formando grandes montes que servirão de base para a próxima etapa: a extração do pó com a máquina de moer palha.

A máquina de moer palha: ritmo, coordenação e trabalho em equipe

Quando o caminhão chega até os montes, o motor da máquina é ligado, anunciando um dia de trabalho intenso. A operação exige de quatro a sete trabalhadores, cada um com funções específicas e essenciais:

O buscador de fechos: percorre os montes, recolhendo rapidamente os fechos de palha e entregando-os para o cortador, mantendo o ritmo da máquina.

O cortador: responsável por contar os nós dos fechos para não sobrecarregar o motor e por distribuir as folhas desfeitas sobre a bancada da máquina, preparando-as para a moagem.

O moedor: coloca as folhas na máquina com cuidado, garantindo a extração eficiente do pó.

A cada fecho processado, a máquina produz dois subprodutos simultaneamente: o pó preto e a bagana de carnaúba.

O pó preto e a bagana: dois subprodutos, dois destinos

Bagana de carnaúba: Uma ótima cobertura de solo.

O pó preto é conduzido por um grande tubo de pano, que se projeta da máquina. Quando cada monte termina de ser moído, o tubo é retirado e o pó recolhido em sacos, pronto para armazenamento ou beneficiamento. Do outro lado, a bagana sai da máquina na forma de palha triturada em pequenos pedaços. Embora menos nobre que o pó, ela é muito valorizada por produtores agrícolas, que a utilizam como cobertura de solo em hortas, pomares e cultivos diversos, aproveitando suas propriedades de retenção de umidade, controle de temperatura e proteção contra erosão. Dessa forma, a moagem garante aproveitamento completo da palha, transformando o material em produtos distintos e úteis para diferentes finalidades — econômicas e agrícolas.

Beneficiamento do pó preto

O pó preto, também chamado de pó cerífero, é o resultado direto do processamento da palha da carnaúba e ainda contém a cera presente nas folhas. Para extrair essa cera, o pó passa por processos de cozimento, que transformam o pó em cera escura (tipo 4). Após o cozimento, a cera é filtrada para remover impurezas e pode ser utilizada em polimentos, seja para carros, móveis ou superfícies metálicas, além de conferir brilho e resistência a tintas e vernizes. Esse processo valoriza o pó preto, tornando-o um produto final de qualidade e utilidade industrial, além de gerar renda para as comunidades que vivem da carnaúba.

Conclusão: a carnaúba além da cera

A segunda etapa do ciclo da carnaúba — secagem, moagem e beneficiamento — revela a complexidade e a engenhosidade do trabalho no sertão. Cada fase, desde a junção da palha estendida até a extração do pó e da bagana, exige coordenação, força e conhecimento técnico, mantendo a tradição viva. Mais do que gerar cera ou subprodutos, esse processo evidencia a capacidade de aproveitamento integral da natureza, característica central do Sobrevivencialismo rural nordestino. O pó branco, o pó preto e a bagana mostram que, para o sertanejo, cada folha da carnaúba carrega valor, utilidade e significado — um verdadeiro símbolo de resistência, engenhosidade e respeito à árvore da vida.

Até.

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