Relato: Rebelião no Presídio de Ituiutaba
Esta semana enfrentamos uma rebelião aqui na minha cidade, uma ocorrência extremamente complicada, com diversas variáveis e dificuldades. Vou fazer um relato da visão de um soldado, não de um juiz, promotor ou algum dos comandantes da operação. Não vou entrar em detalhes operacionais ou jurídicos por aspectos profissionais, nem vou dar minha opinião sobre o sistema judiciário ou penal, vou falar do que eu senti, o que eu vivi e como estou agora. Se querem que eu diga como a polícia agiu parem de ler agora.
Fui chamado pelo sargenteante da Cia TM da minha cidade: “Diego, farda e desce pra cia que a cadeia estourou (rebelião)”. Ao chegar na Cia deparei com o meu primeiro problema sobrevivencialista, a organização do material tático. Após certo tempo, consegui reunir os equipamentos: escudos balísticos, capacetes balísticos e ferramentas em geral.
Coloquei todos itens na viatura e nos deslocamos com uma equipe para o presídio. Ao chegar me deparei com uma cena grotesca, um enorme incêndio… E eu ia entrar lá e ia voltar com meu escudo ou encima dele, mas eu ia voltar.
Quando fiquei a par da situação, haviam dois agentes penitenciários reféns de marginais – sob “xuxos” – , aquilo me deixou mais tenso e senti o mesmo nos meus companheiros. “Nós vamos tira-los de lá” este era o pensamento.
Após cortar a água e a eletricidade do presídio os presos decidiram ceder e entregar um dos reféns. No momento do resgate, o corpo de bombeiros pelo instinto heróico entrou. Caíram em uma armadilha e arrebatam um dos bombeiros, uma troca por acidente. Pegamos o agente sob uma chuva de pedras, ferros e excremento humano. Protegendo os outros militares com escudo eu olhei para o lado e vi nos olhos dos companheiros a vontade de vencer, o escudo não pesava, não estava quente, a fumaça do incêndio era uma leve brisa na mata, pois estávamos lá para salvar aquelas vidas.
De volta as negociações… “entreguem os reféns”, “chama os cara do direitos humanos, o juiz, o delegado, o promotor, tv”. Estavam todos lá. “Entreguem os reféns, estão todos aqui”. Os “rebeldes” não tinham mais motivos para continuar assim, mesmo após tudo eles continuaram a rebelião sem causa.
A noite chegou, fui para fora dos muros, mesmo assim as pedras nos atingiam e os escudos e capacetes nos protegiam, noite longa.
Na madrugada fui para as muralhas, quando chegueino posto que devia ficar vi três amigos sentados embaixo dos escudos e uma chuva de pedras, “chegou a rendição”(significando que os colegas iam poder descansar) eu disse, e a resposta foi: “não estamos cansados, eles que devem estar”. Arrepiei, mas insisti e eles foram, mas havia 200 atiradores de pedra e eles revezavam (antes que perguntem, a “munição” dos presos eram cacos de telhas que eles quebraram). Um dado momento um preso atravessou a concertina (cerca de arame) e quase nos surpreendeu, mas Tupi Maré (Tatico Movel) não vacila e impedimos o acesso, e as pedras voltaram. Já até sentia falta quando elas paravam.
Fome, frio, sede, medo não desmotivava, o desejo era salvar aquelas vidas boas lá dentro. O sol nasceu, “seu puliça, vamo entrega, vamo fica de cueca no pátio”, era o que queríamos ouvir, eu estava num posto de vigilância quando vi o bombeiro e o agente penitenciário vestidos com uniforme do presídio e um dos presos com um colete balístico. Mas eles estavam se entregando, os militares entraram, o grupo dos agentes penitenciários entrou, os reféns saíram, enfim, a noite mais longa que já vi estava acabando.
O que tiro de lição sobre isto? Estejam preparados, para tudo, a qualquer momento uma coisa muito estranha e absurda pode acontecer com qualquer um de nos. Sempre tenham água fresca, comida rápida, agasalho (mesmo VictorJRod que é o autor que mora mais próximo da linha do Equador). E outra coisa, não desacreditem em ninguém, pois estes rebeldes eram pobres andarilhos de rua, os perigosos mesmo nem esquentaram em fazer bagunça.
Segue vídeo da notícia:
Então senhores é isto, deixem dúvidas e opiniões nos comentários!
parabens diego muito bem esclarecido, adorei ler sua biografia de vida parabens (janacris)
Um querido amigo (já falecido), que era jornalista e fly máster, disse certa vez: “Direitos humanos são para humanos direitos”. E eu assino embaixo!
Parabéns pela missão cumprida e meus parabéns à Diretora que tem coragem de falar a verdade, numa era negra onde só se fala o politicamente correto (para a mídia, é claro!).
Quanto ao “cheiro” que ela sentiu, isso é o resultado do ancestral instinto, que se apagou em muitos. Lembro de uma ocasião em que, fazendo ronda em uma área de paióis de munição, senti o mesmo. Parecia que, a qualquer hora, levaria um balaço. Que fazer? Arma engatilhada na mão, atenção com AVOT (Acuidade Visual, Olfativa e Tativa – era noite em área de bosque) e PRÁ FRENTE, QUE A MISSÃO DEVE SER CUMPRIDA!
Gostei do blog!
é o Sistema Penitenciário brasileiro, o infrator entra ruim e sai pior…
Quero deixar o meu relato: trabalhei por mais de 20 anos na Febem de SP, hoje Fundação Casa.
Hoje aposentada e completamente livre de qualquer represália posso relatar fatos vividos e ouvidos com detalhes.
Era Diretora em uma unidade feminina do extinto Complexo da Imigrantes, quando a “casa virou”.
Quando a “casa vira”, o primeiro lugar invadido é a enfermaria, lá lançam mão de todo tipo de medicação, fazem um coquetel para “ficar muito louco” de ter coragem de realizar qualquer tipo de ato. O segundo local a ser invadido é a cozinha ou copa, onde se apossam de utensílios e do famoso botijão do gás para provocar explosão (imaginem…).
Em uma destas rebeliões, ao ser avisada do “estouro da casa” a primeira providência que tomei foi correr para a única copa que deixei com botijão de gás, bem perto da Diretoria, colocar o mesmo nas costas (a força aparece milagrosamente no momento) e trancá-lo dentro do almoxarifado, despencado sobre ele prateleiras e prateleiras de roupas, para que não pudesse ser encontrado, caso o almoxarifado fosse invadido.
Foram 20 dias de rebelião dentro do Complexo, cada hora em uma Unidade.
Nestes 20 dias fui privada de alimentação, banho e horas de sono, pois a carga horária de trabalho ultrapassava o humanamente suportável.
Nestes 20 dias como profissional da área de Psicologia e Diretora de uma das Unidades do Complexo, comecei a desenvolver uma habilidade interessante, a de sentir o “cheiro” de casa tensa e rebelião.
Nem como profissional da área consigo explicar este sentir “o cheiro”: intuição, leitura de pequenos detalhes que antecedem, etc… simplesmente acontece e se ampliou atualmente para outras áreas da minha vida.
Na última rebelião que vivi neste local, estava participando de uma reunião de Diretoria em uma Unidade vizinha, quando eu senti “o cheiro” de uma forma tão forte e presente, que somatizei… senti um frio muito estranho dentro do peito, a boca começou estranhamente a adormecer, momento que me ausentei da reunião e solicitei atendimento de urgência ao médico de plantão.
Minha pressão arterial tinha subido para 17X10 e o médico me proibiu de continuar em serviço.
No momento do atendimento, entrou um funcionário correndo pela sala para me dar a notícia de que minha Unidade estava em chamas.
O buraco da chave foi entupido pelo lado de dentro, impedindo abertura de um portão de ferro super resistente pelo lado de fora, para entrada do Corpo de Bombeiros. Estavam reféns do fogo, cuja fumaça podia ser vista na Pista da Imigrantes, adolescentes e todos os funcionários de plantão.
Mesmo afastada por ordens médicas, permaneci no local até ter a notícia que o Corpo de Bombeiros havia conseguido entrar no local, apagar o fogo, socorrer diversos funcionários e adolescentes intoxicados, mas sem vítimas fatais.
Neste momento, fui para casa saciar a fome e o sono.
MALDITOS DIREITOS HUMANOS, hoje posso dizer com todas as letras em maiúsculo, a Febem foi obrigada a reformar a Unidade comprar colchões e mobiliários novos.
As adolescentes participantes não foram responsabilizadas, não colaboram na reforma, não dormiram no chão… Malditos Dereitos Humanos, só se preocuparam em garantir o bem estar dos adolescentes, nenhum funcionário foi assistido em suas necessidades.
Mas a pior rebelião de que se tem notícia, aconteceu anos após dentro do mesmo do mesmo Complexo.
Eu já trabalhava em outro local, mas a boca pequena noticiou, que vários adolescentes ameaçados por outros adolescentes, foram literalmente queimados vivos, tiveram suas cabeças arrancadas e jogadas por cima dos muros, para que as autoridades e funcionários que estavam do lado de fora, pudessem assistir a barbárie. Vários funcionários foram encharcados com álcool e eram constantemente ameaçados de ser incendiados vivos.
A notícia oficial divulgada pela imprensa foi de 5 adolescentes mortos e muitos foragidos.
No dia seguinte o Governador de São Paulo, na época, o Sr. Mario Covas, mandou destruir tudo que estava em pé e em ruínas dentro do Complexo, prometendo a população criar no local um parque publico.
Concluam…
Os fatos relatados tiveram início há 18 anos atrás e a data da destruição do Complexo, não me lembro, lembro apenas de quem era o Governador do Estado.
Neste relato usei expressões próprias da Febem, ainda não consigo encontrar tradução no português coloquial.
Quem não entender alguma, sinta-se a vontade para perguntar o significado.
Espero que meu relato tenha sido de alguma utilidade.
Olá Teresa,
Seu relato é muito interessante e contribui muito para compreender a realidade que é lidar com situações de revolta em instituições como essas. Adorei ver o ponto de vista de uma funcionária do local e de saber que até mesmo você, como diretora, desaprovou a conduta dos direitos humanos.
Obrigado pela complementação do texto com sua vivência!
Abraços!
excelente texto, parabéns Diego você ta cada vez melhor.
Como disse Jônatas, não vou falar sobre nenhum acontecimento que não seja diretamente comigo. Justamente para não me complicar.
Parabens pelo relato…..
Mas como deixaram os bombeiros entrar gente! Ficaram muito expostos.
A preparação básica realmente é uma mão na roda, pra que não possamos passar por restrições que a principio são muito básicas, como uma forma rápida de repor energia, hidratação e comunicação.